sábado, 17 de março de 2007

Posição de Flap na Decolagem

A intenção desse texto é mostrar como deve ser feita a escolha da posição de flap para decolagem em aeronaves comerciais. Procurei usar poucas fórmulas matemáticas para o artigo ficar mais simples e não muito chato de ler, mas algumas delas foram inevitáveis.

Flaps fazem parte de uma família de dispositivos usados em aeronaves, chamados dispositivos hipersustentadores. Basicamente, existem quatro tipos:




Nos grandes aviões comerciais, o tipo mais utilizado é o FOWLER que, apesar de mais complexo e caro para ser construido, é mais eficiente pois aumenta a curvatura e também a área da asa.

Da fórmula ao lado, podemos concluir que o aumento da curvatura (que aumenta o coeficiente de sustentação (CL)) e da área da asa (S), contibuem para o aumento da sustentação (L) para uma mesma velocidade V e densidade do ar (p).

Uma vez que, para manter-se em vôo, uma aeronave precisa que a sua sustentação L seja igual ou superior ao seu peso (W), deduzimos que, aumentando o coeficiente de sustentação (CL) e/ou a área da asa (S), pode-se voar com uma velocidade menor sem diminuir a sustentação.

Resumindo: A principal característica do flap é permitir a utilização de velocidades menores durante operações de decolagem e pouso.

Como efeito adverso do uso dos flaps, pode-se citar o aumento do arrasto da aeronave. Dessa forma, quanto maior a posição dos flaps, maior o arrasto. Nas posições de flap pequenas, o aumento de sustentação é maior que o de arrasto mas, nas posições grandes, o aumento de arrasto supera o de sustentação. Esse aumento exagerado de arrasto impede que grandes posições de flap sejam usados nas operações de decolagem.

DIMINUIÇÃO DAS VELOCIDADES DE DECOLAGEM


Por requisitos de performance, as velocidades empregadas na decolagem (V1, VR e V2 principalmente) têm relação direta com a velocidade de estol, que está definida na fórmula ao lado. Podemos perceber que a velocidade de estol (VS) é inversamente proporcional à área da asa (S) e ao coeficiente de sustentação (CL), isto é, quanto maior forem S e CL, menor será a velocidade de estol e, portanto, as velocidades de decolagem.

Quanto menor as velocidades de decolagem mais rapidamente elas serão alcançadas durante a corrida de decolagem e, portanto, menor será a pista necessária para cumprir os requisitos legais de comprimento mínimo de pista.

Resumindo: Quanto maior o flap utilizado na decolagem, menores serão as velocidades e o comprimento de pista necessário.

UM PASSO A FRENTE: OS SEGMENTOS INICIAIS DE SUBIDA

Por definição, tão logo a aeronave perca o contato com o solo e atinja 35 pés de altura, iniciam-se os segmentos de decolagem, a saber:

  • Primeiro segmento: de 35 pés de altura até o final do recolhimento do trem de pouso.
  • Segundo segmento: do final do recolhimento do trem de pouso até atingir a altitude de segurança.
  • Terceiro segmento: de quando a aeronave atinge a altitude de segurança até o final do recolhimento dos flaps.
  • Segmento final: do final do recolhimento dos flaps até atingir 1500 pés de altura. Nesse ponto, termina a fase de decolagem e incia-se a fase de subida.


O segmento que requer maior atenção é o segundo, já que nele a aeronave deverá superar os obstáculos existentes na trajetória de decolagem. Nesse segmento, deverá ser mantida a velocidade conhecida como V2 para que seja assegurado o gradiente mínimo de subida necessário.

Por requsitos de homologação (FAR 25), o gradiente mínimo de subida a ser mantido no segundo segmento por um avião bimotor, supondo falha do motor crítico na V1, é de 2,4%.

A fórmula ao lado mostra o gradiente de subida (g) em função da tração dos motores (T), arrasto (D) e peso (W). Podemos concluir então que a sustentação não afeta o gradiente de subida mas o arrasto, sim. Como vimos que, quanto maior a posição de flap utilizada, maiores são a sustentação e o arrasto, percebemos que a gradiente diminui com o aumento do flap.

Resumindo: Quanto maior o flap utilizado na decolagem, menores serão os gradientes de subida nos segmentos de decolagem.

Podemos portanto observar que a utilização de flaps na decolagem produz um benefício (menor comprimento de pista necessário) mas também um prejuízo (menor gradiente de subida). Sendo assim, como determinar qual o flap ideal para decolagem?

PLANEJAMENTO: A CHAVE PARA A MELHOR ESCOLHA

Dos requisitos de performance decolagem, temos que existe um peso máximo de decolagem limitado pelo comprimento de pista - chamado field limit - e um peso máximo de decolagem limitado pelo gradiente de subida - chamado climb limit.

Observando o gráfico



percebemos que, para pequenos valores de flap, o climb limit é alto mas isso de nada adianta, pois a aeronave está limitada pelo field limit. Já com posições maiores de flap, temos um ótimo field limit mas a aeronave passa a ser limitada pelo climb limit que, nesse caso, é menor. Assim sendo, a melhor posição de flap para decolagem é aquela onde field limit e climb limit coincidem, permitindo o maior peso de decolagem possível para uma dada situação.

Na maioria das aeronaves, não é possível escolher qualquer posição de flap, mas apenas aquelas pré determinadas pelo fabricante. Nesse caso, deve-se optar pela posição de flap autorizada para decolagem mais próxima do valor ideal encontrado no gráfico.

Na prática, considerando o planejamento de uma decolagem, temos uma análise de pista para cada posição de flap certificada para decolagem. Devemos então escolher aquela que proporcionará o maior peso máximo de decolagem para as condições presentes (temperatura, pressão, vento, etc).

Tal escolha deve-se ao fato de que, quanto maior o peso máximo de decolagem, maior será a carga paga (payload) permitida, melhorando o aproveitamento comercial do vôo. Em vôos com baixo peso, mesmo assim devemos seguir a mesma regra de escolha de flap, pois quanto maior for a diferença entre o peso máximo de decolagem e o peso atual de decolagem, maior será a redução de potência possível, o que é muito significativo para economia e aumento de vida útil dos motores. (Não é o objetivo desse artigo tratar de redução de potência, o que farei em uma outra oportunidade).

Assim sendo, já temos uma "fórmula" para escolher o flap de decolagem, mas ainda resta um problema a ser resolvido: Em pistas grandes, pode ocorrer de o peso máximo de todas as posições de flap certificadas para decolagem serem maiores que o peso máximo estrutural de decolgem.

Nesses casos, qualquer posição de flap escolhida permitirá o mesmo payload máximo e também a mesma diferença entre o peso máximo e o atual de decolagem. Como então fazer a escolha do flap?

ECONOMIA DE COMBUSTÍVEL: UMA PREOCUPAÇÃO QUE DEVE SER CONSTANTE

Dá fórmula do gradiente de subida, mostrada acima, temos que quanto menor o arrasto (portanto quanto menor o flap), maior será o gradiente de subida. Com um gradiente maior, o avião subirá mais rapidamente até a altitude de segurança, onde a potência dos motores será reduzida de potência de decolagem para potência de subida. Dessa forma, os motores permanecerão menos tempo em potência de decolagem, diminuindo o consumo total de combustível do vôo.

Resumindo: Devemos sempre escolher o flap que proporciona o maior peso máximo de decolagem. Caso o peso máximo de decolagem de mais de uma posição de flap sejam maiores que o peso máximo estrutural de decolagem, devemos escolher o MENOR flap entre esses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alguns pilotos têm receio de decolar com pequenas posições de flap (ou até mesmo com flaps recolhidos em alguns modelos de aeronave) por achar que as velocidades de decolagem são altas.

Da mesma forma, outros têm receio de decolar com maiores posições de flap por achar que o gradiente de subida será insuficiente em caso de falha de motor.

O que devemos ter em mente é que, se o peso de decolagem é inferior ao máximo da análise de pista do flap escolhido, TODAS as margens de segurança na decolagem estão cobertas para as condições possíveis: tanto para decolagem abortada como para prosseguimento com falha de motor.

Uma vez que os cálculos acima demandam algum tempo para serem feitos, os pilotos não devem fazê-los à bordo das aeronaves. Para isso existem os DOVs - Despachantes Operacionais de Vôo - que são profissionais treinados e habilitados para planejar vôos de aeronaves comerciais.

Assim, a recomendação final é : SIGA O PLANEJAMENTO ENVIADO PELO DOV, pois ele foi calculado para maximizar o aproveitamento do vôo e também para aumentar a economia de combustível.

Referências:

Performance de Aviões a Jato, Peso e Balanceamento - Newton Soller Saintive - Ed ASA 1997
Aerodinâmica e Teoria de Vôo - Jorge M. Homa - Ed ASA 1993
Handlig the Big Jets - D P Davies - Civil Aviation Authority - 1973
Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica - RBHA 121 - disponível em http://www.anac.gov.br/biblioteca/rbha/rbha121.pdf

Até breve!






3 comentários:

Unknown disse...

Obrigado pela "aula" cmte!
Se tiver tempo, posta esses assuntos mais vezes.
Os estudantes aqui de xap agradecem!
Abraços!

fe005 disse...

Belíssimo texto cmte.
foi muito útil nos meus estudos para prestar a banca de PLA.
grande Abraço.
Ótimos voos

Unknown disse...

Ajudou de mais comando ! Muito melhor que os livros didáticos que uso na faculdade !!